Quaresma e oração

O jejum cristão lembra então à humanidade a ausência do seu Bem Amado. Esta busca amorosa e perturbada há de levar a procurá-lO onde podemos identificar a Sua presença: primeiro, na oração onde podemos conversar com Ele; segundo, no próximo onde devemos reconhecer o rosto d’Ele.

image007Há muitas formas de orações: Santa Teresa d’Ávila ensina que não há propriamente dito um método de oração. São Domingos e São Francisco convidavam seus irmãos para louvar a Deus na natureza pela beleza da criação. Santo Inácio de Loyola valoriza a maneira de orar usando os cinco sentidos durante a meditação das Escrituras a fim de cativar a imaginação e forçá-la a entrar na cena descrita. Os Beneditinos, assim como todos os monges e monjas, nutrem suas vidas espirituais com o Oficio Divino, cantando salmos no coro.

image003image004Os membros da Renovação Carismática exprimem, em voz alta, louvores e preces enquanto que os Carmelitas e Cartuxos estabelecem uma profunda comunhão do coração com Deus pelo silêncio. O Rosário ou a repetição contínua incentivada pelo Peregrino Russo da oração do cego Bartimeu – “ Jesus, Filho de Davi, tende piedade de mim” – reforça também a diversidade das formas de oração. A cada um cabe encontrar seu próprio carisma e família espiritual, aproveitando também de toda a rica Tradição da Igreja.


image002Muitas testemunhas contam que Santo Ivo era um leitor assíduo da Bíblia. Ela pertence à lista dos poucos livros que ele guardava – a Bíblia e alguns livros de Direito que precisava para exercer a sua profissão. Santo Ivo a estudava cada dia, aliás a cada noite devido aos muitos afazeres diurnos. O seu servo atesta que, de vez em quando, acabava caindo de sono sobre sua mesa de trabalho, dormindo sentado. Outras testemunhas afirmam que a Bíblia era o seu travesseiro quando não usava uma pedra! 
Na verdade, onde seria mais fácil descobrir a presença do Cristo que nas Escrituras, na Palavra de Deus, pois Ele é Verbo Eterno encarnado? Como o ensinava Guigues o Cartuxo, um século antes de Santo Ivo, a meditação da Palavra de Deus leva à oração e depois, à contemplação, isto é, a uma união mística com o Verbo. De fato, há muitos que atestam terem visto Santo Ivo chorar muito enquanto rezava por horas a fio deitado sobre o chão duro e frio de sua igreja ou prostrado com seu capuz rebatido sobre o seu rosto. Uma testemunha falou durante o processo de canonização: “Muitas vezes ele suspirava, gemia e falava: meu Deus, crie em mim um coração puro e renove no meu peito um espirito decidido.” 

image009Santo Ivo  assim parecia ter entendido com oito séculos de antecedência, o ensinamento do Concílio Vaticano II sobre a importância insubstituível da Palavra de Deus. Saber de cor trechos inteiros das Escrituras contribui a evangelizar nosso ser pois moram em nossa memória e até mesmo em nosso subconsciente, para nutrir constantemente nossa meditação. Por exemplo, Santa Teresinha de Lisieux escreveu no seu jornal íntimo que sabia quase de cor os Evangelhos e as Epístolas de São Paulo. Afinal, temos o direito de escolher livremente os refrões e palavras que habitam nossa memória e podemos preferir colocar lá a Palavra de Deus em vez de deixá-la invadir-se pelos slogans publicitários!

image006Aliás, Santo Ivo rezava muito também quando caminhava durante horas inteiras através do campo. São João Paulo II, que era um excelente caminhante, era famoso pela sua capacidade de trazer à luz suas encíclicas meditando enquanto caminhava. Podemos pensar que, assim como o santo pároco de Ars escreveu sete séculos mais tarde, “o tempo não lhe parecia longo”, embora esgotados tanto um quanto o outro quando tinham de percorrer, um, o Trégor, o outro, a Bresse, a fim de cumprirem seus ministérios. De fato, os santos e santas nos ensinam que rezar é um privilégio: é o direito que guardamos, embora pecadores, de conversar com Deus, isto é, de falar com Ele e ouvir o Criador do Universo, o Salvador da humanidade.


image001Enfim, celebrar os sacramentos na liturgia enchia com certeza de alegria o seu coração de padre, claro. Aliás, uma profunda sinergia existe entre a leitura da Bíblia e a celebração dos sacramentos: é por isso que o Concílio Vaticano II pediu que nunca um sacramento seja celebrado sem a leitura dum trecho das Escrituras. Na verdade, todo mundo sabe que não é possível aprender, estudar ou trabalhar sem sustentar o seu corpo; da mesma maneira, o papel dos sacramentos é sustentar a nossa vida espiritual a fim de podermos dedicar todas nossas habilidades espirituais à acolhida e compreensão da Revelação que Deus nos faz d’Ele mesmo nas Escrituras.

image010Várias testemunhas contam que Ivo deixava de celebrar a missa diária somente quando totalmente esgotado ou muito doente, o que não era tão comum naquela época. Também, assistia confissões com assiduidade. No mesmo dia, quando havia de deitar-se definitivamente, quis atender uma de suas penitentes assíduas, embora seus colegas o suplicaram a descansar. Havia de morrer algumas horas depois. Muitas vezes ele foi visto visitando doentes para trazê-los à comunhão, ao saber o estado deles: por isso, guardava permanentemente com ele uma custódia de prata com hóstias consagradas. Uma testemunha menciona que, um dia, quando solicitado para visitar um doente ao mesmo tempo em que precisava muito de descansar, ele respondeu: “ Se eu recusasse visitar este doente, me colocaria num estado de desobediência para com Deus.”