Ivo e os Reis Magos

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Na festa da Epifania, podemos fazer um paralelo muito interessante entre os magos e a figura de santo Ivo. De fato, as semelhanças entre eles são mais numerosas que poderíamos imaginar. Estaríamos errados parar diante do enorme fosso de quatro mil quilômetros e de doze séculos que separam Ivo dos Magos.  Na verdade, o primeiro como os segundos representam grandes constantes da humanidade.

image006Uma diferença importante entre os Magos e Santo Ivo

Na verdade não sabemos muito a respeito do magos. Eis uma diferença considerável com Ivo Hélory de Kermartin. Com efeito, a vida de Santo Ivo nos é bem conhecida, pelo menos em suas linhas gerais, uma vez que, após sua morte, ele foi logo considerado um santo pelos pobres da região, por seu clero, e pelo Bispo de Tréguier. Por isso, em seguida, se escreveu o que se sabia sobre ele.

image007Ao contrário, em relação aos Magos, é a tradição, tanto o com “T” maiúsculo e sobretudo o com “t” minúsculo, que completa generosamente o relato do Evangelhos. Com efeito, somente Mateus, dentre os Evangelistas, faz menção a eles; e ele nem mesmo os chama de reis. Eles receberam este título bem mais tarde. Primeiro, por causa das profecías que anunciavam a vinda dos reis de todas as nações rumo à luz de Jerusalém. Segundo, por causa da real generosidade de seus presentes e, também, da aparente facilidade com qual eles acederam ao rei Herodes.  Do mesmo modo é a tradição que decorre dos Evangelhos apócrifos que fixou o número de três magos – a partir do número dos presentes para o menino Jesus – como também fixou os nomes deles: Gaspar, Melchior e Balthazar. Quanto às suas origens geográficas – Iran, Iraque ou Índia – foram criadas apenas para apontar a abertura da salvação aos povos pagãos. 

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Um primeiro ponto em comum entre Ivo e os Magos: a acolhida da Salvação em meio às trevas do pecado.

O primeiro paralelo entre a vida de Ivo e a busca dos Magos fica na abertura de ambos ao dom da Salvação. Na verdade, o abertura da Revelação aos povos pagãos contrasta com o fechado mundo judeu, muito embora tenha sido o povo eleito para trazer a Salvação. São João exprimiu muito bem isso no prólogo de seu Evangelho: “a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam (…) Veio para o que era seu, e os seus não o receberam.”

image010Com efeito, os Magos reconhecem a identidade do pobre e fraco recém-nascido. O ouro deles fala de Sua realeza, pois são os reis que usam do ouro para fazer moedas. O incenso deles revela Sua divindade, pois é aos deuses que oferecemos incenso. Enfim, a mirra deles fala do mistério de Sua morte e Ressurreição, pois, naquela época, usávamos para perfumar os mortos. Sobretudo, os magos se prostram diante d’Ele: essa é a atitude verdadeiramente cristã. Para ser cristão não basta amar a Jesus, nem mesmo ouvi-Lo: é também preciso adorá-Lo.

image011Diante dos Magos, Herodes e os líderes judeus se fecham. Herodes é o rei dos Judeus, embora não seja ele-mesmo judeu: era um rei imposto pelos Romanos. Mas Ele conhece bem a religião judaica e sabe que o povo está esperando um Messias, e assim se preocupa em saber o lugar previsto do Seu nascimento. De fato, recentes pesquisas históricas demonstraram que, naquela época, havia uma renovação da esperança messiânica no povo judeu. Portanto, parece bem normal que o rei Herodes e seus dignitários estivessem muito perturbados: as profecias anunciavam que os maus pastores iriam prestar contas com o Messias, o Bom Pastor, por não terem cuidado do Seu rebanho… Na verdade, quando Herodes se preocupa em saber “cuidadosamente” quando a estrela apareceu, é apenas para preparar o abominável massacre dos Inocentes.

image012No relato+ Evangélico os dignitários judeus se situam num lugar muito simbólico. Na verdade Mateus usa expressamente as mesmas palavras no relato da Paixão do Senhor. O que acontece no nascimento de Jesus se repete mais de trinta anos depois, no momento de Sua morte. Na hora da Paixão os filhos destes personagens atuarão exatamente da mesma maneira: o filho do Rei Herodes, o Grande, será o novo rei, Herodes Antipas, ainda aconselhado pelos sumos sacerdotes e mestres da Lei. Estes serão os filhos daqueles que foram convocados às pressas para responder as pergunta dos Magos. Eles recusaram de reconhecer o Messias em Jesus porque acreditavam que era de Nazaré, pois as Escrituras anunciavam que Ele haveria de nascer em Belém! Aliás, o motivo da condenação de Jesus, obtida por Pilatos, será que Ele pretendeu ser o rei dos Judeus, em oposição ao Imperador César… o mesmo motivo da ira de Herodes que leva a Sagrada Família a fugir para o Egito.

image013Dito isso, na época de santo Ivo, toda a Europa medieval era supostamente cristã. Porém, os soberanos, ungidos pelos bispos, faziam guerras fratricidas uns contra os outros por apetite de poder e de lucro. Casamentos arranjados eram celebrados pela Igreja, não obstante os sentimentos amorosos e a liberdade mais básica das pessoas. Uma grande parte do clero, desde o baixo clero até mesmos próprios papas, incluindo vários prelados, não tem real vocação mas somente o desejo de aproveitar dos bens deste mundo. Apesar de importantes e admiráveis exceções, a coalisão entre o clero e o poder político desfigura a mensagem do Evangelho. O novo “Povo Eleito” que o Senhor adquiriu ao preço de Seu próprio Sangue, se corrompeu, como Israel…
Em ambos casos, as trevas onde a luz de Deus há de resplendecer são muito densas! Felizmente, em cada época, ergueram homens e mulheres de boa vontade, animados por um busca honesta de justiça e verdade… que foram expostos, também, a malícia e ao ciúme daqueles que foram pervertidos pelas riquezas . 


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Uma segunda semelhança: A posição social dos Magos e de Ivo Hélory de Kermartin.

Os Magos representam a riqueza, a ciência e o poder que prestam homenagem ao Criador. Com efeito eles possuíam o saber e provavelmente o saber mais sagrado daquela época: aquele dos astros. Inspirava quase todas as religiões orientais e mesmos os Judeus se interessavam nele. Os Magos possuíam também a riqueza: seus os preciosos presentes e dispendiosa viajem são uma prova. Enfim, possuíam o poder: com certeza aquele que decorre do saber e da riqueza, talvez mesmo o da realeza. Pois o poder, o saber, o ter se ajoelham diante do Salvador do mundo, diante do Criador de todo bem.

Embora de pequena nobreza, Ivo aproveitava também de privilégios ligados com sua posição social, incluindo a capacidade de ter acesso aos poderosos. Instruído e sábio depois de mais de dez anos de importantes estudos, ele foi escolhido a fim de aplicar a justiça em nome da Igreja Católica, que naquela época instalava e depunha os soberanos europeus. Os muito numerosos cleros e membros de ordens religiosas masculinas e femininas, a população tão agitada dos estudantes nas Universidades, as viúvas, os órfãos, os pobres, dependem das decisões do juiz eclesiástico. A Igreja também cuidava dos casos relativos a seus bens materiais, que eram enormes, assim como de todos os casos provenientes de negócios que tinham sido feitos sob juramento, porque muitas pessoas não sabiam escrever, e concluíam as negociações prestando apenas juramentos. Pois, assim como os magos, Ivo era sábio, rico e poderoso.

Porém, como eles, decidiu de caminhar através das trevas do pecado que decorrem das injustiças, rancor e violência a fim de conseguir e seguir o Redentor da humanidade. Deixou os bens deste mundo que a riqueza e o poder poderiam lhe proporcionar; e assim distingue de muitos de seus colegas padres, enquanto converteu muitos outros.

Que exemplo para a nossa época!

image003As ciências devem se lembrar que não podem pretender resolver todos os problemas humanos sem levar em conta a Revelação. O segundo concílio do Vaticano lembra que todo homem tem o dever de procurar a verdade com todas as suas habilidades; porém, apenas numa atitude de adoração, de respeito, e de confiança para com Deus pode permitir ao homem de encontrar a verdade, que precisa da luz Revelação. Do mesmo modo, a riqueza material e cultural, assim como o poder, deve ficar ao serviço de todos os homens. Pois Deus os entregou ao homem para o bem do próprio homem e para a gloria de Deus.

Claro, isso vale para todos nós porque todos temos um pouco de saber, riqueza ou autoridade para que sejam oferecidas ao Senhor .


image004A terceira semelhança: Ivo e os Magos foram homens de Deus que O buscaram e encontraram a alegria.

Uma outra semelhança fácil de perceber entre Ivo e os Magos decorre da sua capacidade de discernir a presença de Deus no mais humilde. Os magos se ajoelharam sobre a palha do presépio que, com certeza, cheirava ruim. Se prostraram diante desta família simples dum povo humilhado e vencido. Discerniram neste menino a misteriosa presença de Deus e gastaram uma fortuna para honra-Lo. Gastando a sua fortuna toda, Ivo pessoalmente acolheu, nutriu, hospedou, defendeu, curou e, por vezes, sepultou os mais pobres dentre os pobres porque reconhecia neles o Cristo, seu Salvador. Ambos nos ensinam que toda pessoa de boa vontade que busca Deus pode encontra-Lo. De fato, Deus nunca para fazer sinais: cabe ao ser humano vê-los e aceitá-los. Para isso, a condição é reconhecer-se pobre, pequeno e incapaz salvar-se a si mesmo. Com efeito as estrelas podem brilhar somente na escuridão e para experimentar a necessidade de buscar a luz precisamos passar pelas trevas.

Ora, várias  testemunhas falam que Ivo chorava muito por causa de seu pecado e indignidade. A presença de Deus se manifesta naqueles que O procuram e O desejam. Devemos nutrir em nós este desejo de Deus, reconhecendo a nossa fraqueza e pecado e tornando-nos profundamente compassivos de nossos irmãos e irmãs que sofrem.

A primeira prova que um sinal vem de Deus, é a alegria, a exultação que ele gera. O Evangelho da Epifania insiste pesadamente muito sobre isso no texto grego: “Vindo a estrela, eles experimentaram fortemente uma muito forte alegria.” Alegria da Virgem Maria no seu encontro com a Isabel, do João Batista no seio de sua mãe, do velho Simeon… cada vez sobre a ação do Espirito Santo!

Do mesmo modo, muitas testemunhas no processo de canonização de Santo Ivo insistiram sobre a sua alegria permanente. Era muito difícil irrita-lo e entristece-lo se não em razão de má fé, da mentira ou quando era consciente do pecado, quer seja seu próprio ou o dos outros, aos quais denunciava e absolvia com fervor. 



image008Quarto paralelo : A confiança nos meios escolhidos por Deus.

Ivo sabia muito bem que o poder de absolver os pecados pertencia à Igreja, mesmo quando ela era doente, corrompida e infiel. Assim encontramos o último ponto em comum entre a atitude dos Magos e a vida de santo Ivo. A reaparição da estrela é muito simbólica dum ponto de vista espiritual. Na verdade, chegando de tão longe em Jerusalém, os Magos poderiam ter facilmente chegado a aldeia de Belém, pois se situa somente a alguns quilômetros de Jerusalém. Contudo passaram por Jerusalém, a capital do único povo monoteísta naquela época e sinal da transcendência de Deus. Aceitaram pedir conselho e ajuda às autoridades legítimas, embora corrompidas, que eram encargadas de preservar a Aliança entre Deus e Seu povo. Por isso, uma vez que aceitaram as mediações que Deus os oferecia, a estrela reapareceu no céu e Deus os guiou de novo.

No mesmo espírito, Ivo nunca negou a Igreja, nem o seu sacerdócio, embora consciente da incoerência do clero de sua época para com os seus deveres. Alias, ele sempre defendeu os direitos e liberdade da Igreja contra os abusos do poder real, falando: “Minha vida toda, lutarei em favor da liberdade da Igreja.” (Testemunha 47)

Esta atitude que os Magos e Ivo tinham em comum manifesta a humildade confiante necessária para se aproximar de Deus: ela abriu a ambos um novo caminho. Avisados em sonho para não voltarem para voltarem para Jerusalém, os Magos retornaram a sua terra, seguindo outro caminho. Este sonho os convidou a mudar de caminho, a deixar os caminhos do mundo e escolher os caminhos de Deus. Claramente é um chamado para uma conversão radical.

Do mesmo modo, Ivo foi tocado pela miséria no seu tempo e foi inflamado pelo desejo de servir a justiça: seguiu o mesmo caminho de conversão até o despojamento mais extremo, a fim se tornar o testemunha do amor e da compaixão de Deus para com os pobres.

image014É interessante notar que, em todas estas pinturas, os magos e os seus guardas são vestidos com roupas da época do artista, seja da Baixa ou do Alta Idade Média, seja da Renascença. Isso também é válido para com as imagens de granito sobre os “Calvaires” da Bretanha que ilustram os artigos precedentes. Aliás, a decoração é da Europa, não da Terra Santa.

Ora, hoje em dia, a representação contemporânea no mesmo espírito poderia figurar três carros de luxo, estacionados no bairro duma favela numa cidade de médio porte. Um pertenceria ao presidente duma companhia multinacional – e representaria o ter -, o outro pertenceria a um chefe de Estado – que representaria o poder -, e o último a um cientista famoso – que representaria o saber-. Ambos prestariam homenagem a um recém nascido escondido numa pobre casa de blocos de cimento. Não seria grande exagero colocar, em vez dos pastores, alguns vendedores ambulantes, desprezados hoje em dia assim como os pastores eram desprezados pelos judeus e que preferiam vê-los nas colinas fora da cidade do que nas suas ruas. O mérito de Santo Ivo foi, uma vez mais, reconhecer nestes mendigos repugnantes que ele acolhia ou nos pobres malabaristas, membros do povo eleito e bem-amados do Senhor… como ele mesmo se encarnou.